segunda-feira, 5 de maio de 2014

UM RELATO SOBRE SER MULHER- E APRENDER A CRESCER


Quando eu nasci, meus pais não sabiam o que eu era. Perguntaram para minha mãe e ela respondeu que era um menino pelos pulos que eu dava. Meu pai já tinha até o nome de macho para mim: me chamaria Nardele. Nome especial de um rapaz do Paraná, que jogava futebol e que ele admirava quando novo. Mas eis que ao meio do caminho, aconteceu o improvável: não nasci menino. Havia uma equivocada perereca abaixo de minha cintura, e contrariei todas as expectativas.
Meu pai se surpreendeu. Nem engravidar de mim eles esperavam, então o nome já escrito no papel deveria ser mudado às pressas. Bons pais que são, quando eu nasci eles me aceitaram de braços abertos, me amaram muito, deram-me o nome de Vanessa. Nos primeiros anos de minha vida morei em Santa Catarina; depois, fui para o Mato Grosso. Voltamos para Santa Catarina novamente, e de lá, viemos para Tupandi, no Rio Grande do Sul. Pequena cidade de quatro mil habitantes, tinha menos ainda na época. Cresci e comecei a ir na escolinha, a estudar e fazer amizades. Eu era ingênua e feliz. Minhas brincadeiras era pega-pega e amarelinha. Quando fui crescendo, minha mãe acostumou-se a vestir a mim e a minha irmã com as mesmas roupas. Não éramos gêmeas, mas até o cabelinho tigelinha era igual. Indignada, pedi para ela mudar quando já estava mais crescidinha. Comecei a escolher minhas próprias roupas, e trabalhei para ganhar meus primeiros trocadinhos.
Não beijei na boca até meus dezessete anos. Puxa vida, não? Não. A primeira vez que apareci conversando com um menino na frente de casa, lá pelos quatorze anos, meu pai enlouqueceu. Fiquei meio traumatizada, mas também sempre tive vergonha dos meninos. Resolvi dar um tempo. Tudo bem, eu não precisava deles até então. Ao invés disso, escrevia poemas no meu velho caderno. Saía com minhas amigas. Diverti-me muito com minhas amigas. Fui paquerada algumas vezes, um menino quase morreu de amores por mim. Ok, ele sobreviveu e eu não me culpei por isso.
Um certo e lindo dia, voltei da biblioteca e fui paquerada por um homem desconhecido que me ofereceu quinhentos reais para “dar um rolé por aí.” Emudeci. Certo, ainda consegui ser educada, dizendo: “Não, obrigada.” Cheguei em casa aterrorizada e morri de vergonha de contar para minha mãe. “Como os homens podem ser assim?”, pedi. “Alguns deles são”, ela me respondeu e me calei, mesmo sem entender.Anos depois, me apaixonei pela primeira vez. Beijei um garoto duas vezes, e ele quis me tirar do baile para “dar uma volta”. A tal da volta tão comentada e alertada por minha mãe. Homens assim são cretinos, sem vergonhas, cafajestes. Distância deles! Eu fiquei me perguntando como alguém tinha coragem de propor algo assim de supetão. Voltei para casa e fiquei sem entender- novamente- como os homens podiam ser assim. Nada era como eu pensava.
Na primeira viagem de ônibus sozinha que fiz- aos dezoito anos!-, minha mãe estava com o coração na mão. E eu só estava viajando até a casa de minha tia em Dois Irmãos (uns 35km). Mãe coruja às vezes realmente é um problema. Não entendi esse estardalhaço dela ter tanto medo assim de que eu me perdesse, me sequestrassem ou coisa do tipo. Sentei no banco, e um homem sentou ao meu lado. Tudo bem, Vanessa. Não respire. Não se mova. Não olhe em sua direção que ele pode te estuprar. O homem virou para mim e começou educadamente a conversar. Mas disse-me coisas que eu não compreendi. Que mulher tem que se cuidar. Como assim, cuidar? Atordoada, escutei ele me contar as peripécias de ser mulher, sendo que- olha que engraçado!- ele não era. Então desci na minha parada de ônibus aliviada por ficar longe para sempre desse homem. A promessa de que as mulheres precisam a todo custo saber cozinhar não coube para mim. Queimei meu braço no cano do fogão a lenha de minha tia e voltei para casa com uma mancha terrível como cicatriz e lembrança.
Depois disso, peguei umas aulas práticas com minha mãe para aprender -de fato- a cozinhar. Pelo menos sei fazer pão, e me viro no feijão e arroz.  Aprendi a me maquiar. Aprendi que preciso me comportar bem. Aprendi que usar shorts curtos na rua significa que você é vulgar. Que batom vermelho é coisa de piranha, e mulher que se preze não sai de casa sozinha depois das dez. Aprendi muitas coisas que julgo competente, e outras que não. Aprendi por mim mesma que sou em quem devo julgar e competir a mim mesma o que eu acho bom. A vida é minha, não é mesmo?
Sou mulher, mestruo, tenho cólicas e vez ou outra, crises de terror com meu cabelo, minha pele e por aí vai. Sonho com minha própria casa, meu próprio carro, e não porque a sociedade me impõe isso, mas porque isso é algo significativo para mim. E acredito em meus sonhos. Se eles competem à mulher ou não, não interessa. Interessa meus sonho, minha alegria de viver e a razão pelo qual eu faço o que faço. Mulher que se preza merece tanto salário quanto seu marido. E tanto amor quanto o que eles também pedem em silêncio, no findar de cada noite. Acha que só as mulheres são carentes? Encontre um homem, e você verá que eles são tão dependentes quanto nós. Isso não é coisa de mulherzinha, e se você reparar bem, necessitar ser amado, aceito, respeitado e valorizado é um desejo de todos nós,  mas pelo qual as mulheres precisam batalhar muito mais somente pelo fato de serem consideradas ‘frágeis” e por nascerem com a dita cuja “perereca”.

E então, concorda comigo?
Um beijo!
Vanessa Preuss

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